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Bioshock 2 PS3, PC, Xbox 360

Bioshock 2
A cidade de Rapture é uma literal panela de pressão. Uma vez um reduto dos sonhos para todos seus hedonistas habitantes se expressarem ao seu máximo, sem as rédeas de governos ou ideologias, a metrópole submarina não demorou a sucumbir perante os egos inflados e a violência natural do humano. E não de uma forma bonita, acreditem. Rapture, já decadente e devastada, cheia de depressivos maníacos modificados geneticamente, não é nem de longe um lugar amigável à vida, e é difícil compreender como alguém gostaria de trazer um novo ser a esse enorme caixão marítimo. Ainda assim, o time da Irrational Games voltou à prancheta para desenvolver mais um game Bioshock. Mas será que Rapture tem mais a mostrar de sua beleza e sua exótica fauna ideológica, ou teremos apenas ranhuras, escombros e memórias mortas a contemplar?

Amor químico

Uma das marcas de um roteiro sólido é manter uma tensão narrativa simples, a partir da qual todo o resto é elaborado. Este é exatamente o caso de Bioshock 2: o que motiva a trama é o simples instinto paterno e, como necessário pano de fundo, as idéias socialistas da líder Sophia Lamb. Veja só, a história aqui se passa anos depois do primeiro game, e ninguém mais fala de Andrew Ryan e de suas inclinações para a anarquia e o individualismo, que foram a primeira causa de abalo de toda a sociedade marítima. Depois que Ryan morreu, Lamb conseguiu apoio o bastante para liderar o que sobrava do povo de Rapture, reunindo-os como uma mãe a uma só idéia: esqueçamos o indivíduo e trabalhemos juntos para reconstruir o coletivo. Ideal exatamente oposto ao de Ryan, e que faz todo o game ter um clima bem diferente do primeiro. A idéia do coletivo está completamente imbuída na jornada do personagem principal. Em Bioshock 2, o jogador está no controle de Delta, o primeiro Big Daddy de Rapture, que tem sua Little Sister raptada por Lamb em circunstâncias violentas. Como um Big Daddy não tem como viver se não estiver próximo de sua protegida, Delta se envolve em uma perigosa corrida contra o tempo para recuperar sua menina e tentar escapar da cidade amaldiçoada. A trama do primeiro foi simplesmente virada ao avesso: a ideologia de fundo é o perfeito oposto, e o controle agora é de um dos inimigos do game. E sabe o que mais? Talvez você não vá se sentir assim tão surpreso.

Embora fantástica e tão capaz de mexer com sua cabeça e seus princípios quanto a do primeiro jogo, a trama deste aqui tem alguns defeitinhos a mais. É difícil colocar em palavras, mas todo o conteúdo socialista do game soa menos poderoso do que o ideal de Ryan: a apaixonada fuga por tudo que seja controle, e a busca excessiva pela auto afirmação e pela expressão individual soam justamente isso: apaixonantes. E ver como esses princípios, inicialmente belos aos ouvidos, levaram a cidade ao horror na qual ela se encontrava era certamente algo chocante. Aqui, por outro lado, a saída encontrada por Lamb soa prática e racional, embora com seus resultados caóticos, claro. Mas racional e fria, ainda assim. Talvez quem não curta muito narrativa de games não vá nem ser afetado por isso, mas convenhamos: Bioshock é pra quem gosta de história, e talvez o gancho menos chocante vá ser um pequeno empecilho. Talvez mais agravante é que o game traz à tona personagens novos tão importantes que soa meio estranho eles nunca terem sido citados no jogo anterior. Quanto à apresentação da narrativa, Bioshock 2 é da escola de Half-Life: o jogador jamais sai da perspectiva em primeira pessoa, o que torna a experiência algo mais imersiva. Diferente deste, entretanto, há uma ou outra cutscene, mais presentes na introdução do game. Boa parte da trama, entretanto, está em fitas de áudio espalhadas pelo cenário, e até mesmo estes pequenos fragmentos estão marinados no contexto geral da trama: instruções para sindicalistas, mulheres falando de seus maridos e até mesmo Andrew Ryan – cuja voz agora soa fantasmagórica – às voltas com uma repentina paternidade, tudo remete ao ideal da coletividade. É uma ótima ferramenta de juntar presente e passado na trama sem soar complicado demais. Ah sim! E sem estragar nada, é justo dizer que o final desta vez vale a pena. Coisa de tirar o fôlego, acreditem.

No geral, Bioshock 2 parece ser uma experiência mais linear que a do game anterior, com um número relativamente menor de salas amplas e de corredores com múltiplas saídas. Duas novidades fazem parte do game. A primeira são sessões das fases que são completamente submersas em água. O visual aqui chega a ser de tirar o fôlego: na primeira dessas cenas, o jogador se depara com corais multicolores, águas-vivas e estruturas fosforescentes até que de repente todo o cenário se abre e o jogador é recompensado com uma visão panorâmica de Rapture que é de uma beleza inegável. Mas toda a sessão ainda funciona como um corredor linear: há uma entrada e uma saída. O silêncio perpétuo que domina as partes subaquáticas faz maravilhas para dar o tom do game, mas podem se provar um pouco monótono, visto que não há ação presente. A segunda novidade são que novos adversários entram em cena: o primeiro deles é o Tanker, um Splicer super evoluído que usa de pura força bruta para derrubar Delta. O segundo é a temível Big Sister, uma acrobata em um traje steampunk que pode usar todas as ferramentas do repertório do jogador e, de bandeja, ainda tem habilidade e resistência claramente superior. Elas são formidáveis inimigas, do tipo que vão te deixar na ponta da poltrona o tempo todo. Mas é um pouco triste saber que os encontros com elas são previstas no roteiro, e não eventos aleatórios no decorrer do game como era esperado – algo como o monstruoso Nemesis de Resident Evil 3. A dificuldade do game pode se provar um fator complicador para marinheiros de primeira viagem ou jogadores casuais, mas o game faz um bom serviço em introduzir os conceitos de jogo.

Nunca fomos lá grandes fãs da mecânica de tiroteio do primeiro game: as armas, os poderes de Plasmid, a precisão e cadência de fogo, a movimentação dos adversários, tudo parecia um pouco não intuitivo demais. Arriscamos dizer que havia algo de cru quanto à jogabilidade do game. Bioshock 2 traz uma versão um pouco mais refinada do sistema do primeiro e coloca novos elementos em jogo. Desta vez, tudo o que você precisa está, praticamente, a um botão de distância: armas e Plasmid podem ser usados simultaneamente, um na mão direita, outro na esquerda. Isso significa que você pode lançar uma rajada de raio em um inimigo, rapidamente detonar outro com sua Rivet Gun, e terminar o primeiro inimigo com uma saudável bordoada de sua furadeira gigante, tudo sem precisar recorrer à menus nem nada do gênero. O hackeamento de aparelhos se tornou mais simples: a ferramenta agora é uma pistola que pode ser usada em longas distâncias e o minigame é uma versão bem mais simplificada Os inimigos continuam essencialmente os mesmos, mas as táticas para derrubá-los chegam a mudar bastante com as novas armas e habilidades.

A mecânica das Little Sisters continua a mesma, mas com uma interessante reviravolta: você ainda precisa derrubar outros Big Daddies – que são sopa no mel se comparados aos novos vilões – e escolher se colhe o Adam das pequenas ou se as liberta para viverem suas vidas. Mas desta vez, a segunda opção deixa que você de fato cuide da Little Sister e ajude-a a saquear Adam dos cadáveres espalhados pelo game. Durante o processo de colheita, os Splicers são naturalmente alertados da presença da pequena e fazem de tudo para tirá-la de jogo. É aí que entra a mais distinta adição ao game: momentos em que o objetivo é proteger e defender. Garantido, é bem diferente das cenas de ação tradicionais do game: aqui é que o raciocínio e a criatividade do jogador serão testados, e onde cada um dos poderes pode fazer a diferença entre sucesso e derrota. Espalhar armadilhas, preparar seus Plasmids favoritos e acionar sua arma mais forte e versátil pode ser um desafio e tanto, e as recompensas fazem valer a pena. O único problema é que o fator surpresa pode contribuir para um pouco de frustração: às vezes você pode ter armado a cilada perfeita e ser atacado por apenas quatro ou cinco Splicers. Outras vezes parece que a Little Sister atraiu uma convenção inteira de esquisitões para cima de seu pobre traje de mergulho.

Festa no fundo do mar

Bioshock, desta vez, conta com um modo multiplayer complexo e bem desenvolvido. Todo o sistema tem como base o modelo de Modern Warfare, o que significa que você pode montar kits de armas e habilidades, ganhar melhorias com o tempo de jogo e, claro, evoluir e customizar seu personagem em diversas modalidades. O maior problema aqui talvez seja o design das fases, cuja escala e complexidade parecem mais adequadas para o ritmo mais lento e controlado do modo campanha do que para o caos do multiplayer. Ainda assim, é um fantástico passatempo, e integrado contextualmente à trama do game, quem diria. O módulo multiplayer se dá cronologicamente antes dos acontecimentos do primeiro jogo, mais exatamente durante a primeira grande guerra civil de Rapture. É possível usar todas as habilidades do modo campanha, e os Plasmids diversos colaboram para tornar todo embate uma guerra estratégica.

Graficamente falando, nada mudou muito em Bioshock 2. Há um melhor trabalho de texturas e iluminação que a do game original, mas não espere muito: o tempo foi um pouco severo com a engine visual do game. Isso não quer dizer que esta ainda não seja uma das mais únicas experiências estéticas que você vai experimentar esse ano: todo o visual Belle Epóque a lá anos 50 que habita os corredores de Rapture funciona como um contraste gigante à decadência estrutural pela qual a cidade vem passando. Rapture parece ainda mais mutilada, ainda que cheia de vida e referências a trama geral, e é um verdadeiro monumento ao fato de que esses homens e mulheres afogados na insanidade tem tão pouco pelo qual se apegar, e tão pouca certeza na vida. Os modelos tridimensionais desta vez são mais variados e melhor construídos e os efeitos especiais continuam soberbos. Uma visita ao dilapidado parque de diversões criado por Andrew Ryan – que mostra às crianças nascidas em Rapture os “horrores terríveis” da vida fora do fundo do mar – será mais do que o suficiente pra te deixar apaixonado pelo cenário todo. O trabalho de som funciona num campo quase subjetivo: logo, logo os rangidos e cliques constantes da cidade submarina, misturados a um minimalista trabalho musical, vão se tornar naturais no ouvido do jogador, o que ajuda muito em criar um ambiente realista e cativante.

Confessamos que somos do tipo de gamer que nunca achou que Bioshock deveria ter uma continuação. A trama genial e bem fechada em si, a sensação de “papo cabeça” que tudo incluso no jogo passava, nada dava sinal de que essa jóia da 2K Boston deveria ganhar uma seqüência. De toda forma, aí está Bioshock 2, e pra bem da verdade, este é um título que merece ser recompensado pelo que ele é: um game sólido, cativante e digno de ótimas notas. Bioshock 2, importante denotar, cumpre uma aposta arriscada e, entre narrativa e jogabilidade, escolhe o segundo com ímpeto de gente grande. O resultado? Parece que Bioshock chegou mesmo para ficar. Afinal de contas, a cidade de Rapture é muito mais que vidraças quebradas, construções homéricas e dutos de pressão. Rapture, por bem, por mal, e por um pouco da boa e velha inovação, é sim uma idéia. E algumas idéias têm o curioso hábito de se apegar como chiclete.

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